21 de nov. de 2014

Lembrança 01

Puuuuuutaaaaaa...
E o tapa na cara é o mesmo que jorra o sangue que mela a perna ardida pela culpa de existir.
O olho virado na cara virada no pescoço virado da puta virada caída no chão.
E a criança olha, estática. O tapa na puta atravessa o peito e mata a criança que não entende nada além da sua culpa de existir. Existir é uma culpa, é envergonhar a puta que a pariu que viu sua cria parida a vendo como: PUTAAAAAAAAAAAAAAA.
E o sol queima mais forte pela janela e dá pra ver naquela cena a poeira levantada contra a luz.
E o mundo que não para pra não ter reação.
A mão que bate forte sai pela porta ajeitando sua cinta que não precisou usá-la naquela vez.
Puta.
A Puta chora. Caída no chão, sem mexer um centímetro a mais pra criança, a puta chora. Chora porque as lágrimas caem sem precisá-las. Caem, assim como a puta caída no chão perto da perna da criança.
O tempo não para e não passa e não insiste e não desiste.
Segundos, minutos, contar é impreciso.
A criança olha a mulher. Olha a puta maldita nos lábios daquele que retira com um tapa toda humanidade do ser jogando-a pra quebrar como um vaso que não se quer mais no caminho.
O que fazer? A criança não sabe porque o medo da cinta arde ainda na perna ardida pela culpa de existir. A criança não sabe, mais arde, e arder é vida. A puta não arde, a vida não lhe é permitida.
Ele bate a porta... Sai por onde nunca mais deveria ter entrado com aqueles olhos vermelhos, aquele cheiro poder de pinga velha no corpo na boca no beijo que dá na criança e cospe na mulher as palavras que nunca deveria cuspir.
Um segundo de alívio. Minutos de vergonha. A dor que corta a carne por dentro explode-se agora sim em choro cheio de suspiros fortes buscando o ar pra explodir a dor.
A criança, estática, olha.
A mulher, ainda com dor, faz um esforço moral pra se levantar do poço de merda que foi jogada. Limpa o rosto ainda com sangue e traz pros olhos da criança um olhar de que está tudo bem, mesmo na merda está tudo bem.
Mesmo com toda dor, com todo ardor, ela recolhe e acolhe a criança, num movimento que se acolhe, se encolhe, e continua a ser o porto seguro daquela criança.
E a vida finge seguir sem marcas.
E a vida finge sorrisos.
Até o próximo tapa, até o próximo choro, até que se possa viver.

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